Ao longe já conseguia ver o telhado da igreja.
Mal chegou na cidade o encanto das casinhas que a muito tempo
havia deixado na lembrança embargou-lhe os olhos já marejados.
Trinta anos se passaram. Relutou tanto a voltar ao local onde ja fora tão feliz e também tão infeliz.
Estacionou em uma vaga ao lado da Igreja.
Reconheceu o velho à porta da Igreja, é o antigo Pároco que celebrou seu casamento.
Ao lado dele, apesar dos cabelos grisalhos, com os olhos inchados de quem chorou a pouco, estava aquele que um dia a magoou tão profundamente.
Pensou que poderia resistir, afinal já não o via a tantos anos, mas os batimentos de seu coração denunciavam que o tempo não existiu para eles.
Colocou os olhos escuros que combinavam com a roupa e o luto que trazia na alma.
Abraçou o velho Padre e estendeu a mão tremula ao ex-companheiro.
Ele por um segundo prendeu o olhar sobre os dela, como se pudesse vê-los através das lentes escuras. E como se não tivesse visto a mão estendida, abraçou-a, o que a fez ficar sem ar, surpresa pelo gesto.
Puxou-a pelo braço e juntos entraram na Igreja.
Estavam todos lá. Familiares e antigos amigos.
Ao fundo, rodeada de flores, a amiga e sogra tão querida, no semblante um sorriso, que sempre lhe acompanhou na vida, mesmo agora na hora da morte.
Julio, ficou ao seu lado enlaçando-lhe o braço como a dizer a mãe morta que estava tudo bem com eles agora.
O calor do braço dele parecia aquecer-lhe o coração, havia anos que não sentia esta sensação.
A missa iniciou e durante toda cerimonia não trocaram uma palavra, só a mão dele sobre os ombros dela pareciam querer dizer-lhe algo.
Ao fim da missa, após demorados cumprimentos de pesames puderam seguir para o cemitério para o ultimo adeus a mulher que sempre fora presença tão forte na vida de todos.
Depois do funeral seguiram em direção a casa onde um dia abrigou o amor de Tereza e Julio. Um amor tão grande que ninguém podia acreditar que um dia podia chegar ao fim.
Quando chegaram, lá já se encontravam, cunhadas, cunhados, primos, e o advogado da família que fora chamado para a leitura do testamento da amiga morta.
Parecia que havia um misterioso pacto entre todos.
Ninguém dizia nada pessoal ou perguntava-lhe algo sobre sua vida. Era como se ela não tivesse vivido fora dali.
Todos amáveis, mesmo uma prima que fora apaixonada por Julio na adolescencia, não sabia o que fazer para agradar.
Passados cerca de uma hora, o advogado pediu silencio e passou a declamar a declaração de ultima vontade da falecida.
Tereza, cansada, mal prestou a atenção nos primeiros dez minutos ditados pelo advogado.
Estava ali, desconsolada, amara muito aquela mulher que mal acabara de enterrar. Sempre foi mais uma amiga que uma sogra, manteve raros contatos por telefone com ela após o rompimento de seu casamento.
Não entendia ainda porque a ex-sogra lhe fez prometer que viria no seu enterro, ela já sabia que morreria logo devido a doença que já havia comprometido o funcionamento de seu corpo.
De repente, viu-se obrigada a prestar a atenção nos dizeres do advogado, pois este lhe chamava pelo nome.
- E para Tereza - eram as palavras da morta declamada pelo advogado - primeiramente peço o seu perdão. Durante anos mantive em segredo, um ato cometido por mim que deu fim ao seu casamento com meu filho Julio.
- Tereza, quando passaram a planejar viver fora de nossa cidade, quando disseram que iriam viver em Marilia, pois, voce havia sido convidada a administrar a grande empresa naquela cidade, tive medo. Fiquei apavorada, pois, ficaria sem o menino que sempre fora a luz dos meus olhos. Com o pavor, o egoismo e o ciume dominaram meu coração, e impensadamente passei a incultar pelos ouvidos de Julio pequenos sentimentos de desconfiança sobre voce, sobre seu trabalho, achando que assim ele convenceria voce de não ir.
Como parecia não surtir efeito, no dia que voces iriam partir, dominada pelo medo, pedi a um conhecido meu, hoje morto, que ligasse para Julio falando coisas horriveis sobre voce.
Ele, já angustiado pelo veneno que eu havia plantado, nem discutiu, mandou voce embora sozinha, sem dizer a razão. Durante anos observei meu filho sofrer e com ele sofri junto, mas não pude, por orgulho, falar-lhe a verdade.
A velhice, a dor e a presença da morte não foram mais fortes que meu orgulho, entretanto, posso agora, longe de seus olhos,l pedir perdão. Não tenho como apagar tudo que fiz, mas, tento remediar com o que possuo, deixo a voce e ao Julio esta casa, que voces façam com ela o que desejarem. Sei que meu filho ama voce e sei que voce o ama, pois, me confessou a pouco tempo atras. Assim, para que possam retomar o amor de voces, deixo para voce uma linda casa em Marilia, que adquiri a cerca de um ano, e para o Julio um apartamento na mesma cidade.
E finalizou dizendo que a maior penitencia era ter vivido com a conciencia de ter feito um grande mal aos amores de sua vida e morrer sem ver-lhes o perdão.
Tereza não sabia se chorava de alegria ou de raiva.
Julio, que chorava compulsivamente do outro lado da sala, só percebeu Tereza em pé ao seu lado quando ela tocou-lhe a face com um beijo.
Ambos se abraçaram, era o primeiro gesto de muitos outros que vieram acontecer antes de viverem juntos em Marilia.
A casinha foi mantida para os belos dias da primavera.